INVESTIGAÇÃO
Desvendando o Complexo Industrial da Censura no Brasil
Máquina de censura atua para atacar e silenciar dissidentes.
POR:
DAVID ÁGAPE
28, JUN. DE 2024 ÀS 15:56
Imagem: DALL·E 3 com Chat GPT
Na última semana, estive em Londres participando do I Fórum da Liberdade de Expressão de Westminster. O evento, que contou com a participação de diversos jornalistas, intelectuais e ativistas, foi organizado pelo americano Michael Shellenberger, jornalista com quem colaborei na investigação do “Twitter Files Brazil” e para quem produzi uma série de reportagens e relatórios sobre a censura no Brasil.
No mesmo local, um ano antes, foi assinada a Declaração de Westminster, manifesto contra a censura assinado por mais de 140 jornalistas, artistas, escritores, ativistas e acadêmicos de 21 países e de diversas vertentes políticas e ideológicas. O documento denunciou as crescentes violações à liberdade de expressão em todo o mundo e clamou por uma defesa vigorosa deste direito fundamental.
Durante os três dias do fórum, eu e o jornalista Eli Vieira, do jornal Gazeta do Povo, pudemos detalhar o processo de censura no Brasil e trocar experiências com outros jornalistas que cobrem a pauta da censura nos seus países. Ali, pudemos confirmar que a censura vem sendo continuamente aplicada no Ocidente e que há um intenso intercâmbio de estratégias de censura entre diversos países, como os EUA, o Canadá, a Irlanda e a Austrália.
Também pudemos constatar que o Brasil é uma peça fundamental no chamado “Complexo Industrial da Censura” (CIC) e já é usado como exemplo e sucesso na aplicação de censura e vigilância de seus cidadãos. A censura é realizada sempre, é claro, com a desculpa de que é necessária para combater “desinformação” e “discursos de ódio”. Ao invés de levarmos democracia para as ditaduras, como a da China, estamos adotando práticas de censura semelhantes às chinesas.
Na maioria dos casos, os mesmos atores trabalham em prol da censura: organizações ligadas a agências de inteligência como a CIA, o FBI e outras; ONGs financiadas por organizações como a Open Society, do bilionário George Soros, a Luminate, de Pierre Omidyar, e as não menos importantes Ford Foundation e OAK Foundation; e grupos políticos de esquerda que, aproveitando uma atual onda a seu favor, têm trabalhado em prol da censura e perseguição de pessoas e organizações populistas ou de direita.
O que é o Complexo Industrial da Censura
O conceito do Complexo Industrial da Censura foi formulado após a publicação dos Twitter Files nos EUA. Estes consistem em uma série de conversas internas do pessoal do Twitter disponibilizadas a alguns jornalistas investigativos por Elon Musk após a compra da rede social. Entre os jornalistas estavam os experientes Matt Taibbi e Bari Weiss, além do ativista ambiental Michael Shellenberger. Os Twitter Files revelaram que agências governamentais dos EUA, como o FBI e a CIA, estavam envolvidas na moderação de conteúdo das plataformas de mídia social, influenciando diretamente quais informações eram censuradas ou promovidas.
Um dos casos mais notórios foi o do laptop de Hunter Biden, filho do então candidato presidencial Joe Biden. Às vésperas da eleição de 2020, uma reportagem do jornal americano New York Post detalhando informações comprometedores encontradas no laptop de Hunter, como tráfico de influência com empresas ucranianas e seu pai Joe Biden, foi bloqueado pelo Twitter, que alegou violação de políticas contra disseminação de material hackeado.
Posteriormente, os documentos internos revelados pelos Twitter Files mostraram que agências governamentais como o FBI mantinham uma linha de comunicação direta com executivos do Twitter e influenciaram diretamente a supressão de informações sobre o caso do laptop.
Ao continuarem as investigações, os jornalistas perceberam que o esquema era muito maior do que inicialmente imaginado. Eles descobriram uma vasta rede de colaboração entre governos, ONGs, grandes empresas de tecnologia e instituições acadêmicas que trabalhavam em conjunto para monitorar e controlar a narrativa pública, silenciando vozes dissidentes.
O CIC combina métodos tradicionais de manipulação psicológica, muitos dos quais foram desenvolvidos pelas Forças Armadas americanas durante a “Guerra ao Terror”, com ferramentas tecnológicas sofisticadas, incluindo inteligência artificial. Muitos dos membros do CIC provêm da comunidade de inteligência e segurança nacional, tendo transitado do combate ao terrorismo para o monitoramento e a perseguição de cidadãos comuns e figuras públicas politicamente indesejáveis.
O parâmetro para o uso do aparato governamental de defesa e inteligência foi inicialmente flexibilizado do combate ao terrorismo para o combate ao “extremismo” e, posteriormente, à “desinformação”. Este processo lembra o alerta feito pelo presidente Dwight D. Eisenhower em seu discurso de despedida em 1961 sobre os perigos do “Complexo Industrial Militar”. Ele advertiu que a combinação de uma vasta infraestrutura militar com a influência de grandes empresas de defesa poderia ameaçar a democracia e as liberdades civis.
Como o CIC se relaciona com o Brasil?
Conforme expliquei em meu depoimento à Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado, em abril, no Brasil, o CIC opera principalmente por meio do alto escalão do judiciário. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm desempenhado um papel central na implementação de políticas de censura.
A ação do judiciário é a manifestação mais visível de uma rede complexa formada por os outros dois poderes do governo — executivo e legislativo — ONGs, veículos de imprensa, instituições acadêmicas e militantes de redes sociais. Cada um tem um papel na máquina do CIC. Sempre que alguém expõe as ações censórias de qualquer integrante do CIC, ou de alguma forma incomoda o governo Lula ou o judiciário, a máquina de censura é ativada e começam os ataques coordenados em diversas frentes.
Os ataques podem incluir difamação nas redes sociais, pressão para retirada de patrocínios e pressão através de ações judiciais. A estrutura bem organizada e interligada do CIC garante que qualquer voz dissidente seja rapidamente silenciada, mantendo o controle sobre a narrativa pública e fortalecendo o poder estatal e do establishment.
A censura sem precedentes que vemos no Brasil nos últimos anos começou a ser desenhada no final de 2017, quando o TSE realizou reuniões secretas para discutir estratégias de combate à desinformação nas eleições. O “Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições” foi criado por ordem do então presidente do TSE, Gilmar Mendes. A justificativa oficial era o temor de que ocorresse no Brasil o mesmo que ocorreu nos Estados Unidos em 2016: o suposto conluio russo e a eleição de Donald Trump.
Participaram dessas reuniões agentes secretos do FBI, que detalharam os esforços de colaboração do FBI e do Departamento de Justiça dos EUA com plataformas de mídia social para identificar e eliminar conteúdo prejudicial. Também esteve presente a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e integrantes da inteligência das Forças Armadas. Logo nas primeiras reuniões, foram introduzidos conceitos oriundos de organizações do CIC americano, como o Atlantic Council e outras entidades envolvidas na segurança cibernética e na moderação de conteúdo.
Esses conceitos foram fundamentais para a justificativa e implementação da censura no Brasil. Embora essas estratégias não tenham sido aplicadas nas eleições de 2018 por falta de tempo, foram paulatinamente adotadas pelo TSE durante as gestões de Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, que criou os grupos de inteligência no TSE, Edson Fachin e, principalmente, de Alexandre de Moraes.
Após assumir a presidência do TSE, Alexandre de Moraes adotou diversas medidas agressivas de censura. Ele ampliou significativamente a ação de vigilância do TSE, criando um serviço secreto à sua total disposição. Este grupo, que atuou durante as eleições sem qualquer supervisão, foi institucionalizado com a criação do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE).
Principais organizações do Complexo Industrial da Censura no Brasil
Há diversas instituições do Complexo Industrial da Censura americano que se conectam e se relacionam com pessoas ou organizações brasileiras pró-censura. O Digital Forensic Research Lab (DFRLab) do Atlantic Council, think tank americano com sede em Washington, produziu um relatório utilizando dados da Meta, que identificou supostas atividades “inautênticas e coordenadas” em contas do Facebook e Instagram ligadas ao círculo íntimo do ex-presidente Jair Bolsonaro, incluindo seus filhos Flávio e Eduardo.
O relatório, que os acusava de utilizarem memes para minar aliados do presidente e disseminar desinformação, foi utilizado como prova da existência de um suposto “Gabinete de Ódio” dentro do governo, sendo citado por Alexandre de Moraes nos inquéritos contra fake news conduzidos por ele no STF e pela CPI das Fake News no Congresso.
O Information Futures Lab (IFL) da Brown University, anteriormente conhecido como First Draft, sob a direção de Claire Wardle, desempenhou um papel crítico na criação do Comprova, um consórcio de 24 organizações de notícias brasileiras dedicadas à verificação de fatos. Utilizando o conceito de “desordem informacional”, cunhado por Wardle, o TSE justificou a censura ao produtor de filmes conservador Brasil Paralelo durante o lançamento de um documentário sobre casos de corrupção relacionados ao governo do ex-presidente Lula. Nas eleições de 2022, o TSE censurou várias figuras conservadoras nas redes sociais, muitas das quais continuam silenciadas por ordens judiciais.
Wardle também participou de diversos eventos no Brasil, como o Seminário Internacional sobre Desinformação e Eleições realizado pelo TSE em 2021, e o 14º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), organização que fundou o Comprova.
A Meedan, em parceria com agências de checagem de fatos brasileiras, lançou o projeto “Confirma 2022” para combater a desinformação no WhatsApp, permitindo que o TSE disseminasse checagens de fatos via um bot. As ações dos tribunais federais brasileiros, TSE e STF, desempenharam um papel crucial na censura em grande escala dos apoiadores de Bolsonaro durante o período eleitoral, contribuindo significativamente para a eleição de Lula.
O Instituto Poynter certificou agências de checagem de fatos brasileiras como Agência Lupa, Aos Fatos, UOL Confere e Estadão através da International Fact-Checking Network (IFCN). Essas agências enfrentaram críticas por supostas imprecisões e vieses, especialmente durante a pandemia de Covid-19, ao classificar como falsas questões controversas, como a origem do coronavírus e a eficácia das máscaras. Suas atividades levaram ao aumento da censura e controle de conteúdo nas mídias sociais brasileiras, com as verificações de fatos sendo usadas como base para diretrizes do TSE aos provedores de internet para remover conteúdo específico.
Embora a imparcialidade seja uma das condições criadas pelo Poynter para a certificação das agências de checagem, a instituição não tem supervisionado como deveria.
Quem financia a censura no Brasil?
Por trás das diversas iniciativas pró-censura no Brasil, como o PL das Fake News, estão várias organizações financiadas por fundações de bilionários. Uma das que mais se destacam é o Sleeping Giants Brazil (SGBR), conhecida por pressionar anunciantes a retirar patrocínios de veículos de mídia de direita.
SGBR tem obtido relativo sucesso em censurar veículos de mídia brasileiros e é comparável na sua atuação à organização americana Media Matters. Em 2022 e 2023, SGBR recebeu mais de US$ 470 mil (R$ 2,6 milhões) da Ford Foundation e da Open Society Foundation (OSF), além de cerca de US$ 40 mil (R$ 223 mil) do Instituto Serrapilheira para um estudo, nunca publicado, sobre fraude científica em pesquisas de vacinas contra a COVID-19. Em agosto de 2023, a cofundadora do Sleeping Giants, Mayara Stelle, participou do seminário “Combating Disinformation and Defending Democracy” organizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ao lado do Ministro Alexandre de Moraes.
Outra organização chave é o Instituto Vero, fundado pelo YouTuber Felipe Neto. O instituto recebeu US$ 250 mil (R$ 1,4 milhão) da Open Society em 2021. Neto também anunciou recentemente um projeto em parceria com a Embaixada dos EUA e a Fundação Amazônia Sustentável para realizar oficinas na Amazônia. O Instituto Vero colaborou com o TSE em programas de combate à desinformação, patrocinando eventos que incluíram treinamentos conduzidos pelo DFRLab.
O NetLab, um laboratório de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é outro exemplo significativo. Em 2023, NetLab produziu um relatório acusando Elon Musk de usar bots para atacar o Ministro Alexandre de Moraes. Em outro caso, o NetLab produziu um estudo acusando o jornalista Ricardo Feltrin e o humorista Marcius Melhem de criar uma “rede misógina” para atacar as denunciantes do humorista. Em ambos os estudos não há revisão por pares ou publicação em um revista científica.
Por trás destes estudos, há muito dinheiro recebido de ONGs internacionais, o que levanta questões sobre um potencial desequilíbrio no debate público, pois muitos dos relatórios e pesquisas financiados por essas entidades são usados para apoiar decisões dos três poderes do governo. Segundo o seu próprio site, o NetLab recebeu US$ 315 mil (R$ 1,8 milhão) da Open Society, US$ 170 mil (R$ 947 mil) da Ford Foundation, US$ 244 mil (R$ 1,4 milhão) da OAK Foundation e várias outras contribuições menores.
A Open Society Foundation tem sido notável por seu substancial financiamento a organizações brasileiras. Entre 2021 e 2022, a Open Society transferiu aproximadamente US$ 42 milhões (R$ 234 milhões) para diversas entidades no país. Muitas dessas também recebem contribuições de outras fundações estrangeiras, como Ford Foundation, Oak Foundation, Brot für die Welt, UNESCO, UNICEF, Google e Meta.
Algumas vitórias
Embora a luta pela liberdade de expressão esteja longe de acabar, tivemos nos últimos meses algumas vitórias relevantes. Nosso trabalho no Twitter Files Brasil expôs como o judiciário brasileiro infringiu a lei ao forçar o Twitter e outras mídias sociais a revelar dados sensíveis da população. Houve um impacto significativo após nossas revelações, principalmente após Elon Musk ter entrado na briga e feito diversas críticas ao judiciário brasileiro, em especial às ações de Alexandre de Moraes.
Como reação, em abril, o Comitê Judiciário do Partido Republicano dos EUA produziu um relatório detalhado compilando registros que mostram como Moraes ordenou a suspensão ou remoção de quase 150 contas no X, incluindo as de figuras políticas como Jair Bolsonaro, Marcos do Val e Carla Zambelli.
Na última semana, o deputado republicano Chris Smith enviou uma carta a Moraes exigindo esclarecimentos sobre as alegações de perseguição política e violações de direitos humanos no Brasil. Smith destacou preocupações sobre censura prévia, restrições à liberdade de imprensa e processos injustos contra parlamentares brasileiros, além de levantar a possibilidade de sanções contra o governo brasileiro e agentes públicos envolvidos nessas práticas.
Outro avanço significativo foi o recente fechamento do Observatório da Internet de Stanford, um laboratório pró-censura que colaborou com o governo americano para suprimir informações durante a pandemia e as eleições de 2020. As revelações dos Twitter Files mostraram que o Observatório estava envolvido em esforços coordenados para censurar conteúdos nas redes sociais, incluindo informações verdadeiras, sob o pretexto de combater a desinformação.
Essas vitórias são frutos de uma crescente conscientização global sobre as ameaças à liberdade de expressão e a necessidade de combater a censura institucionalizada. O I Fórum da Liberdade de Expressão de Westminster também foi um marco importante, reunindo jornalistas e ativistas de todo o mundo para discutir e denunciar práticas censórias. Além disso, foi destacado que é preciso ir além e criar uma cultura sólida em prol da liberdade de expressão, indo além de questões político partidárias.
A luta pela liberdade de expressão continua, e ainda há muito a ser denunciado e exposto, mas as recentes vitórias mostram que a resistência é possível. Após a publicação do Twitter Files Brazil, recebemos muitos ataques, principalmente de pessoas ou organizações ligadas ao Complexo Industrial da Censura (CIC), que buscam limpar sua imagem ao tentarem nos difamar. Esses ataques apenas aumentaram nossa dedicação em expor os envolvidos em ações contra a liberdade de expressão. Estamos mais determinados do que nunca e não nos calaremos diante da censura. A verdade e a liberdade prevalecerão.