COMO SE TARTUFEIA OS OUTROS?
Por Anatoli Oliynik
A expressão “tartufo” está na maioria dos dicionários do mundo de tão importante que é a peça teatral de Molière.
Molière inventou esta expressão chamada “tartufo” que é a denominação de um tipo humano. Se alguém chamá-lo de tartufo não se sinta lisonjeado, pois é ruim. No dicionário o sentido que se dá é o de hipócrita.
A peça de Molière foi encenada no teatro pela primeira vez em 1664. Passados três séculos e meio o tipo humano continua em evidência como nunca esteve. Agora, na modernidade, a tartufice não abarca tão somente os tipos humanos, mas também tipos de governos cujo objetivo é tartufear o povo. Assim, aquilo que era um substantivo, transformou-se em verbo tal é a importância do tipo.
Quais são os instrumentos que se usa para ser tartufo e como se tartufeia os outros?
O prof. José Monir Nasser explica que:
1. Ele tem que estar munido de valores que não são dele e são compartilhados pelo outro. Valores maiores que os outros aceitem como tal. Se ele aparecesse como líder de uma seita satânica não seria recebido por Orgon. Só é recebido porque representa os valores cristãos predominantes da época.
2. Ele deve parecer não ter vantagens em defender isso. Por isso ele se faz de pobretão, perseguido, que dedica sua vida àquela causa.
3. Ele tem que contar a história certa, tem que ter retórica. Ele deve ter a capacidade da linguagem certa. Ele não pode ser prepotente, mas deve parecer humilde.
Quem quiser aprender como manipular o mundo, basta aplicar esses três truques. Quando se faz isso bem feito, você consegue que as pessoas concordem com o contrário do que você está aparentemente propondo.
O exemplo mais evidente da tartufice praticada pelo governo federal é o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNHD-3), uma peça de totalitarismo completo criada pelo Decreto 7.037 de 21/12/2009 e atualizada pelo Decreto 7.177 de 12/05/2010.
Neste documento totalitário há, dentre outras, uma regra que diz que os órgãos de comunicação serão hackeados por um critério de envolvimento social. Nasce a censura sem que a gente saiba que é censura.
Quando alguém invadir uma terra não é mais possível ir à justiça pedir reintegração. Você terá que negociar com uma comissão composta justamente pelos sujeitos que invadiram a sua própria terra.
Ninguém gostou, mas vejam como é que discordaram.
A igreja não gostou da proibição de crucifixos em salas de aula. Ela não aceita este item, mas o resto, tudo bem.
O ruralista reclama que não quer abrir mão de recorrer à justiça quando tiver um problema com suas terras. O resto, tudo bem.
Resultado: Na medida em que há apenas uma reação pontual de contrapor-se a pequenos itens – quem propôs as regras, as atenua um pouquinho e faz passar o grosso. O que faz com que haja uma boa chance de passar.
Vejam como esse plano é inspirado na técnica de tartufo:
1. Primeiro você não pode propor um plano sem que ele pareça que é bom. Porque a primeira regra diz que ele deve ter valores coletivos e não pode ser feito fora desse contexto. Portanto você deve chamar o Plano de Direitos Humanos. Haverá alguém neste mundo contra os direitos humanos? Isso é abordagem tartufica.
2. Os que estão propondo o plano disseram que não o fazem para si próprios. Eles não serão beneficiados porque não são do meio de comunicação, nem sem-terra, nem jornalistas, nem religiosos, portanto a segunda condição está garantida.
3. O terceiro golpe é fazer a redação disso de uma maneira extremamente benevolente, podendo usar expressões como: para o avanço da relação social, para que haja a inclusão social, para que haja a sustentabilidade da sociedade.
Todos anestesiados pelo método de tartufo concordarão com o plano. Na verdade, quem fez o plano queria uma única coisa: assumir um poder extraordinário como nunca antes alguém teve. Você transforma o Estado em mediador universal de todas as questões individuais. Aquele sujeito que era bonzinho e que parecia inocente queria ficar com a casa, a filha e a mulher de Orgon. Ele queria as três coisas.
Quem reclamou? O Estado de São Paulo reclamou, Denis Rosenfeld escreveu artigos maravilhosos contra o plano. A OAB é sempre aquela entidade meio sem-vergonha, sempre meio governista tentando contemporizar em alguns estados, engajada em outros – não se viu nenhuma demonstração de repúdio verdadeiro, com a ênfase que devia ter dada.
Você tem uma quantidade tão pequena de anticorpos que um tartufo bem instrumentalizado é capaz de fazer o que bem entender. Portanto, não achemos que Orgon esteja muito distante do quadro do brasileiro médio moderno.
O maior problema da censura não é o quanto censuram os jornais, mas é o quanto os jornais censuram a realidade. Depois que você estabeleceu vinte, trinta anos de formatação de esquerda nos jornais, não há mais dorianas capazes de dizer que isto é uma palhaçada, conclui.
É assim que se tartufeia os outros.