GÂNSTERS EM CURITIBA

GÂNGSTERS EM CURITIBA

“Curitiba foi a primeira cidade brasileira a conhecer, tragicamente, o crime organizado à moda dos gangsters de Chicago, que o cinema se encarregou de endeusar.

Manhã de 25/02/1930: Egydio Pilotto desce a Barão do Rio Branco. É tesoureiro da Estrada de Ferro S.Paulo-Rio Grande e traz a renda do dia anterior. Junto dele, o segurança Wany Borges tem a maleta com 50 contos , um dinheirão na época, para depositar nos bancos.

Num carro estacionado, com motor funcionando, dois jovens bem vestidos esperam. Um deles, ruivo belo como um galã de cinema, fuma encostado no carro. O outro, atento, segura o volante.

Quando o tesoureiro passa, o rapaz ruivo golpeando violentamente com um cano de ferro derruba o segurança e arrebata-lhe a valise. O tesoureiro corre atrás do rapaz ruivo. Está quase a alcançá-lo quando o rapaz que estava no carro atira, matando-o. O ruivo alcança o carro que some em alta velocidade. O carro roubado é encontrado, mas nem sombra dos assassinos. Só no cinema Curitiba vira crime assim, parecia coisa de filme de gangsters.

Sem pistas, a Policia desconfia do segurança e arma um plano: manda darem férias a Wany. Acha que assim ele irá juntar-se aos cúmplices para repartir o roubo.
Sem saber do plano, um zeloso delegado tortura Wany para que confesse, mas só consegue deixá-lo inutilizado para o resto da vida. Volta tudo à estaca zero.

O tempo passa, quase um ano depois, em Porto Alegre, 22/01/1931, um jovem ruivo e seu companheiro tomam um táxi.Adiante pedem ao motorista que desça e compre cigarros. Quando o ingênuo motorista desce, os dois fogem com o carro. Param o carro com o motor ligado na frente da Estação Ferroviária e atacam o tesoureiro João Goulart.

A ação dura segundos: acertam uma cacetada no tesoureiro, que reaje e desparam contra o guarda que o acompanhava. A Luta vira cerrado tiroteio, onde morrem o tesoureiro e o guarda. Os bandidos correm para o carro. Na fuga, as notas voam da valise e a polícia recolhe 17 contos de réis. Os bandidos somem sem deixar rastos, carregando 57 contos.

Os crimes de Curitiba e Porto Alegre foram executados por dois jovens, exatamente da mesma forma e as vítimas foram pagadores da Estrada de Ferro. O caso repercute em todo o país, As polícias do Paraná e Rio Grande do Sul trocam informações e nada adianta. Os criminosos sumiram e não há pistas sequer para começar um investigação.

Vendo a polícia sem rumo, um repórter do “Correio do Povo”, de Porto Alegre, procura uma cartomante famosa por seus acertos, a Ceguinha. Cega de nascença, 77 anos, ela revela: “os bandidos estão em Curitiba… são estrangeiros, um alto ruivo, bonito… o outro é magro, loiro… as cartas não mentem jamais: daqui a dois meses vão ser presos…”

Março de 1931, Curitiba, exatamente dois meses depois. O telefone toca na casa de um jovem de tradicional família do Paraná, futebolista famoso – esqueçamos seu nome. Do outro lado da linha a voz nervosa de uma mulher. O esportista escuta com expressão tensa e depois de desligar decide procurar a polícia… Depois do misterioso telefonema, o esportista avisa a polícia.

No dia seguinte, depois de mandar cercar o quarteirão, o delegado Miguel Zacarias, de revólver em punho, invade a casa número 90, da Sete de Setembro. Aos gritos de “mãos ao alto” rende dois jovens que já puxavam suas pistolas para reagirem. São presos, com eles é encontrada grande quantidade de armas e munição. São o húngaro ruivo Rudolph Kinderman e o alemão João Papst.

A moça do telefonema era Martha Schamedek, linda alemãzinha, belo corpo, cabelos loiros, olhos azuis. Fora amante do esportista e, depois, vivia com Kinderman numa “boite”. Ele dissera ser vendedor de diamantes mas, numa noite de paixão, confessara ter cometido os crimes.

Amava muito a Martha, diariamente dava-lhe presentes. Com Papst pretendia assaltar o pagador da receita federal em Curitiba, e, depois, encerrar a vida de crimes, casar com Martha e ir com ela viver em São Paulo. Mas, Martha ainda amava o esportista.MDepois de muito hesitar, telefona ao antigo amado contando os crimes de seu novo amante.

Presos em celas separadas, interrogados os dois negam os crimes. Num golpe de esperteza, o delegado Miguel Zacarias conta a Papst que Kinderman dissera tudo a Martha e fora ela quem os delatara Papst não acredita, Miguel Zacarias traz Martha e ela confirma tudo: ‘É esse o amor que voce tem por Kinderman?’, diz Papst. Martha baixa os olhos. Papst olha o delegado – ‘Já que ela contou, eu digo a verdade’, e confessa tudo.

Na penitenciária do Ahú, enquanto esperam julgamento, Papst e Kinderman encabeçam uma revolta de presos para fugirem. No tiroteio com os guardas, Kinderman é ferido. Papst, que já chegara ao portão, volta para socorrer o amigo. Os dois são pegos.

Na revolta morreram dois guardas e dois presos. Vinte ficaram feridos.
Por iniciativa do esportista, a colônia alemã de Curitiba coleta dinheiro para Martha voltar à Alemanha, assim estaria livre da vingança se os bandidos fugissem.

Na parede da cela de Kinderman ferido, um desenho: é o autoretrato dele com uniforme listado de presidiário n° 195. Está abraçado com Martha, a amante traidora. Em baixo, em alemão, a legenda: ‘O Epílogo de um Amor’.

Julgados, Papst e Kinderman são condenados à pena máxima. Os dois são levados a Porto Alegre para responder pelos crimes que lá cometeram. Algum tempo passado, Kinderman morre numa epidemia de tifo, na penitenciária. Tempos depois, Papst também morre, segundo a polícia também da “doença”.

Assim termina essa história de amor, crime, violência, traição, fraternidade entre bandidos, suspense e muito sangue. Igualzinho aos filmes de gangsters de Hollywoood. […]”
(Texto do escritor Valêncio Xavier / Foto ilustrativa: Pinterest)

Paulo Grani

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