LEMBRANÇAS DE UMA INFÂNCIA

LEMBRANÇAS DE UMA INFÂNCIA
Por Antonio Kolicheski

“A nossa vida é aquilo que os nossos pensamentos fizeram dela”. (Marco Aurélio)

A vontade de decifrar mistérios e compreender a complexidade do pensamento filosófico aguçou-se com as remessas pelo correio de um curso para formação de detetives particulares que um menino, vizinho meu, fez no inicio dos anos 60.
Lembro-me das instruções de Lombroso nas apostilas de iniciação de como coletar retalhos de pistas para aos poucos completar com sucesso uma investigação. Cada detalhe juntado pode ser útil para compor o todo a ser decifrado.
Da fábrica de doces, anexa à escola de detetives improvisada na varanda dos fundos da casa ao redor do poço, vinha o aroma das gelatinas bicolores cortadas em retângulos finos passadas no açúcar cristalizado que secavam nas estufas do lado de fora.
O apiário próximo, na sombra das laranjeiras, endereçava todas as suas operárias para as telas da porta daquele paraíso de açúcar. Inebriadas pelo cheiro do caramelo derretido nas formas de chupetas de neném com um cabinho de madeira, arremessavam-se zumbido iradas por serem indesejadas.
O doceiro odiava as abelhas que atacavam os seus produtos para o público infantil, mas amava a parada das charretes, geralmente às quintas-feiras, quando as perfumadas moçoilas da Vila prá lá do cemitério municipal desciam pra comprar suspiros. Depois elas seguiam para o seu destino, o terreiro logo adiante.
Naquelas noites, os atabaques rugiam ferozmente o ponto “pega homem” encomendado pelas biscates e a cantoria se prolongava e me fazia adormecer ouvindo o coro repetido: “na beira do carirí, eu ví um tôro gemê, eu ví um tôro mugí”
Ontem eu lia frases do imperador Marco Aurélio e escolhi a do pensamento pra compartilhar.
Aí você acrescentou a vontade de fazer e comecei a pensar sobre o assunto “to be or not to be” [“Ser ou não ser” de Shakespeare em Hamlet] e no “penso, logo existo”.
De fato somos nossos pensamentos com um amontoado de realizações. Alguns poucos feitos de nossas vidas são lembrados porque os salvamos da vala comum do esquecimento. Não sei bem o porquê, talvez ninguém saiba.
Há uma frase poética daquela compositora do Roberto Carlos, a Isolda, que talvez nos dê um oriente: “das lembranças que tenho na vida você é a saudade que gosto de ter”.
Gostamos de recordar passagens boas de nosso passado. Lembranças ruins nos esforçamos pra esquecer.
Recentemente fiquei conhecendo a história da inspiração do poema da Isolda. Ao perder um muito querido irmão em um acidente de automóvel ela escreveu o poema. Daí completa o pensamento: “só assim, sinto você mais perto de mim outra vez”.
A vontade de fazer pode ressuscitar momentos através dos pensamentos e eles podem ser vívidos e talvez até mais intensos do que os que realmente ocorreram.

Nota: O articulista está revivendo a infância do Editor deste Blog.

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