Por Mariana Brito
Estava na UTI já desenganado pelos médicos quando foi chamado um padre para dar-lhe os Sacramentos antes de ser sedado.
Imaginem a despedida da família. Imaginem os últimos minutos de consciência antes de fechar os olhos.
A importância do Olavo na minha vida é intimamente ligada ao peso dessa cena porque este tema sempre foi a questão central da minha vida: a morte.
Depois de ser criada por duas senhoras de idade avançada, vê-las se despedindo aos poucos da vida, a mais velha acamada, sem comer, eu decidi ser enfermeira. Eu poderia ter feito medicina, mas a enfermagem permite um contato muito maior com o paciente e era isso que me atraía: presenciar esse momento ímpar, a hora da verdade. A total vulnerabilidade depois de uma vida toda. O legado de cada alma que passa por aqui.
Meu trabalho de conclusão de curso foi sobre a visão do paciente terminal sobre a morte. Meu interesse nesse tema surgiu após observar nos estágios um processo muito delicado do paciente moribundo onde era comum um auto-exame, uma revisão do que foi feito durante a vida e o que mais nós víamos era vergonha e medo.
O medo da morte não é apenas o medo do desconhecido. É o medo de ter vivido uma vida sem sentido. É a vergonha de não ter feito o que deveria ter sido feito. É o receio do momento derradeiro onde todos nós passaremos pelo Juízo Final.
Eu fiz uma vasta revisão bibliográfica sobre ritos de passagem segundo a antropologia, sobre a importância da religião ou das crenças do indivíduo no momento da morte porque o foco do meu trabalho era a ação da equipe de enfermagem como facilitadora do processo de morte do paciente e de aceitação dos familiares. Para o objetivo proposto, ficou excelente, recebi muitos elogios da bancada, nota máxima e menção honrosa. Mas pra minha vida ficou raso, pífio. Desde os 8 anos de idade, eu faço perguntas filosóficas profundas e obtive respostas insatisfatórias na maioria das vezes.
Meus parentes mais queridos eram os idosos da família. Todos morreram e levaram com eles o meu alicerce. Eu comecei a temer a morte. Um sentimento de que eu estava desperdiçando a minha vida invadiu a minha alma de uma maneira que beirava o insuportável. Desenvolvi ansiedade, depressão, síndrome do pânico. Era uma crise existencial angustiante.
Numa busca desenfreada por respostas, pela Verdade, pela espiritualidade, quase me afundei num buraco de esoterismo pesado porque era o que eu conhecia desde pequena. Quem me puxou de lá e me trouxe para a luz do dia, foi o Olavo. A opinião dele teve peso pra mim, não só porque ele mesmo viveu o supra-sumo do esoterismo mais requintado que existe, mas porque ele conheceu as consequências dessa prática e fez o alerta mais robusto que alguém poderia fazer sobre o tema. Foi impossível ficar indiferente. Era nítido que ele sabia muito sobre o assunto.
Olavo me salvou porque ele me apresentou Jesus Cristo. Me ensinou o que é Amor. Me explicou como dar sentido à minha existência. Olavo me ajudou a perder o medo da morte porque agora eu sabia o que fazer com a minha vida.
É por isso que eu SEI que quando ele foi avisado pela equipe médica de que sua hora estava perto, ele recebeu essa notícia da forma mais tranquila que um ser humano possa receber. Se despediu de todos com a certeza de que cumpriu sua missão neste mundo e na esperança de que Deus o receberia e o perdoaria de seus pecados diante de tantas vidas salvas pelas suas palavras. Palavras estas totalmente orientadas pela Palavra de Deus.
Não é à toa que a primeira aula de seu Seminário é justamente um exercício imaginativo sobre nossa própria morte. Não é à toa que sua teoria das 12 camadas é uma ferramenta de entendimento sobre o processo de amadurecimento para que se alcance os objetivos do exercício necrológio.
Para nós, a notícia de sua morte foi inesperada, mas pra ele não: ele estava se preparando há décadas.
A filosofia de Olavo de Carvalho é o preparo pra morte. É fazer a sua vida valer à pena para que possa deixar esse mundo com alegria e tranquilidade. É a didática do nascer do Espírito, quando ele dizia que o que diferencia o ser humano dos animais é a capacidade de contribuir para o mundo dando mais do que consumiu de recursos para manter-se vivo. É ser o sal da Terra. Imago Dei.
Ele foi meu professor, um segundo pai para tantos que, assim como eu, foram tirados das trevas como uma criança é tirada do perigo por um pai amoroso.
E mais uma vez eu sinto a dor da perda de um alicerce em minha vida. Voltei a ser espiritualmente órfã neste mundo, mas agora com a clareza da minha missão e a certeza de que minha vida não será em vão, assim como a dele não foi. Não sinto mais medo, mas desejo de ser uma pessoa melhor a cada dia, para que eu tenha a esperança de encontrar o Nosso Pai do outro lado. A sensação é de que ainda há muito trabalho a ser feito na minha biografia, muitos parafusos a serem apertados, muita poeira a ser limpa, mas agora eu sei o que eu tenho que fazer e eu devo isso a ele.
Cada um de nós tem um propósito, uma história. Olavo dizia que o ser humano precisa criar a sua história dentro da história que está sendo contada por Deus. Ser imago Dei é ser co-autor da própria história com Deus.
Que história você está escrevendo?