PUTIN, O CZAR DA RÚSSIA !

Putin busca restaurar o império tsarista.

A Rússia veio a reconhecer a independência dos territórios ocupados da Ucrânia em Luhansk e Donetsk pelos separatistas fantoches de Moscou. Este ato é uma violação dos princípios do Direito Internacional inscritos na Carta das Nações Unidas, do Memorando de Budapeste e nos Acordos de Minsk.
A denominação de Putin como novo Czar da Rússia não demonstra ser somente uma força de expressão para um “presidente” que mantém um regime autocrático e sem liberdades. Se Hitler levantou a Alemanha com base no revanchismo da derrota na primeira guerra mundial Vladimir Putin leva a Rússia ao caminho imperialista com base em um revanchismo pela perda do poderio da União Soviética fruto da falência de um regime totalitário no qual era o principal ator. Como não existe mais um elemento ideológico e apelo de redenção social e nacional, a base de sua retórica é a negação da Ucrânia como estado-nação fundado em pertença a um mesmo povo eslavo. Por isso a necessidade de estabelecer a Ucrânia como um estado nação como invenção de Vladimir Lenin e não a formação de um estado independente que nasce de uma revolução social na luta contra o império tsarista que é reconhecido internacionalmente e pelas forças sociais russas vitoriosas igualmente.
Preparando uma agressão à Ucrânia ele fez a publicação de um trabalho de revisionismo e revanchismo histórico, insultuoso e falso sobre ucranianos e russos como um “povo único”. Isso é feito por quem quer anexar a Ucrânia como era no período do tsarismo. Toda a sua linha de argumentação vem do período da Rush de Kyiv do séc. IX-XII quando havia ligação de Kyiv com o Norte pela linha dos varegos e que ele diz que eles são a continuidade. O grande historiador ucraniano Mykhailo Hruchevskyi já salientou que a história não se baseia na genealogia dos príncipes, mas na vida dos povos; que a criação de Moscou é a criação de uma outra nacionalidade fino-eslava e que a continuidade do reino de da Rush de Kyiv do século IX-XII é o reino da Galicia-Volínia dos séculos XII -XIV.
Já Alexander Shulguin, historiador, diplomata durante a Revolução Ucraniana de 1917 – 1921, o primeiro Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Popular da Ucrânia, representou a Ucrânia na primeira Assembleia da Liga das Nações em Genebra. Professor (1923), escrevia sobre a relação entre a Rush de Kyiv e o norte: “ Este novo estado que funda no Norte e suas relações entre a grande metrópole de então – a Kyiv Rush – e suas antigas colônias do Norte foram as mesmas que aquelas entre Roma e a França. A história da França não começa com Romulo e Remo, como também não começa pela epopeia de Júlio Cesar conquistando a Gália. É, pois, ilógico, insiste Hruchevskyi de incluir a história de Kyiv na história da Rússia ou do Estado Moscovita e depois no Império Russo.”
A Ucrânia tem uma história milenar, um passado que se estende a 5 mil anos antes de Cristo, muitos milênios antes do período da Kyiv-Rush quando Moscou era um banhado. A Ucrânia surge como estado nação independente no processo da revolução russa com o fim do tsarismo em março de 1917 com a constituição da Rada Central Ucraniana. Já em 1917 participa como estado independente nas negociações de paz no Tratado de Brest Litovski. Assim como a Itália só surge como estado independente em 1861 muito tempo depois da derrocada do Império Romano, a Ucrânia surge como nação e estado independente em 1917 após a desaparição da Rush de Kyiv no século XIII. Passada a guerra civil a Ucrânia ingressa como estado soberano na formação da União das Repúblicas Soviéticas no ano de 1922. A crítica de Putin a Lênin dá-se pelo reconhecimento do processo revolucionário que levou a Ucrânia como estado nação independente da Rússia. Resolução do CC do PC (b) da Rússia sobre o poder soviético na Ucrânia. 1. O CC, aplicando firmemente o princípio da autodeterminação das nações, julga necessário reafirmar uma vez mais que o PCR sustenta o ponto de vista de que seja reconhecida a Independência da República Socialista Soviética da Ucrânia.
Izvestia do CC do PC(b) R n.º 8 de 2 de dezembro de 1919.
A mesma Resolução do Partido Bolchevique reconhecia no artigo 4:” Tendo em vista que a cultura ucraniana (idioma, escola, etc. ) foi esmagada durante séculos pelo tsarismo e pelas classes exploradoras da Rússia, o CC do PCR sinaliza aos membros do partido a obrigação em contribuir por todos os meios para suprimir o que obstaculize o livre desenvolvimento da língua e a cultura ucraniana. ……….Os membros do PCR no território da Ucrânia devem fazer efetivo o direito das massas trabalhadoras a estudar e expressar-se em sua língua materna em todas as instituições soviéticas, anulando por todos os meios as tentativas de relegar artificialmente a um segundo plano a língua ucraniana .. Nos primeiros anos depois da formalização da União das Repúblicas Soviéticas a partir das resoluções do XII Congresso do partido em 1923 desenvolveu-se o chamado programa de ucrainização.
O historiador Orest Subeltny em sua obra História da Ucrânia constata: “A força motriz da ucrainização do sistema de ensino era M. Skrypnyk, presidente do Comissariado do Ensino de 1927 a 1933. Dedicando-se com o maior empenho possível, ele conseguiu que no ano culminante da ucrainização, 1929, mais de 80% das escolas de ensino em geral e 30% das instituições do ensino superior ministrassem as aulas exclusivamente em língua ucraniana. Estudavam em ucraniano 97% das crianças ucranianas. Esperava-se que as minorias russa e hebraica, tendo oportunidade de frequentar ensino em língua russa, participassem também de cursos de língua ucraniana. Antes da revolução, quando escolas ucranianas praticamente não existiam, os ucrainófilos mal podiam sonhar com condições como as que criou Skrypnyk num período de dez anos.”

Mas a partir do final desse mesmo ano de 1929 temos a ascensão definitiva de Stalin, a coletivização forçada que levou milhões de ucranianos a morte pela fome: se deu o Genocídio do povo ucraniano – HOLODOMOR. M. Slrupnyk foi acusado de nacionalismo e levado ao suicídio. Os expurgos de 1935-37 eliminaram quase a totalidade da intelectualidade ucraniana. Trotsky escreveu o texto A questão Ucraniana no Socialist Appeal, 22 de abril de 1939: “A burocracia estrangulou e saqueou o povo dentro da Grande Rússia também. Mas na Ucrânia as coisas se tornaram mais complicadas em virtude do massacre das esperanças nacionais. Em nenhum outro lugar as restrições, expurgos, repressões e formas diversas de vandalismo burocrático, assumiram feições tão violentamente criminosas quanto na Ucrânia, na luta contra os fortes e arraigados anseios de suas massas por maior liberdade e independência.”

Qualquer um pode entender porque o fato só da ameaça da Rússia vir a novamente comandar os destinos políticos, sociais e culturais do povo ucraniano dá arrepio dos pés à cabeça em qualquer ucraniano. Como é possível aceitar ficar ao lado de um parceiro como esse que causou tanto mal no período do tsarismo e no período do estalinismo? Como é possível ter como parceiro um regime por Vladimir Putin que escreve um arrozoado histórico revisionista revanchista cheio de inverdades históricas negando a tua história, tua cultura e teu estado nação fruto da luta de gerações. O poeta e pintor Taras Chevtchenko enfrentou os horrores do desterro, exilio e prisões durante o regime tsarista e deixou um legado fundamental para os ucranianos: Estudem, meus irmãos! Pensem, leiam, E aprendam o que é dos outros. Mas guardem o que é seu.”
A Ucrânia após a segunda grande guerra surge como membro titular independente fundador das Nações Unidas em 24 de outubro de 1945 ainda integrando a União Soviética. A Ucrânia com o fim da União Soviética em 1991 surge como estado nação livre das amarras da União Soviética, com pleno direito no cenário internacional e reconhecido por todos os países membros da ONU inclusive pela Rússia. Aparece no cenário internacional como a terceira potência nuclear do planeta, pelo número de ogivas nucleares existentes em seu território. Em 5 de dezembro de 1994, com adesão da Ucrânia ao tratado de não proliferação de armas atômicas, a Rússia reconheceu as fronteiras da Ucrânia, incluindo a Criméia. Em 5 de dezembro de 1994 é assinado o Memorando de Budapeste 1. A Federação Russa, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e os Estados Unidos da América reafirmam seu compromisso com a Ucrânia, de acordo com os princípios da Ata Final da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, em respeitar a independência e soberania e as fronteiras existentes da Ucrânia;” .
Em 2014 a Rússia rompe com o Memorando de Budapeste ocupa, integra a Criméia e instiga, arma e apoia o separatismo russo no leste da Ucrânia em Luhansk e Donetsk. Neste processo de defesa do território da Ucrânia morreram 14.000 soldados, 30.000 feridos e 1,5 milhão de deslocados. São assinados posteriormente os acordos de Minsk (Minsk 1 em setembro 2014 e Minsk 2 em fevereiro de 2015) onde participam a Rússia e Ucrânia mediados pela França e Alemanha que tratam do processo de paz, onde se reconhecem os territórios ocupados pelos separatistas como integrantes do território e soberania da Ucrânia. Agora, com o reconhecimento dos territórios ocupados pelos separatistas como independentes da Ucrânia a Rússia viola e rasga os acordos de Minsk como afirmam os próprios mediadores franceses e alemães.
A questão principal atual da agressão russa a Ucrânia com vistas a anexação ou manutenção de um governo fantoche de Moscou deve-se não a adesão á OTAN, pois países como Letônia, Lituânia e Estônia já integram e estão mais perto dos centros estratégicos russos, a questão está na adesão da Ucrânia à Comunidade Econômica Europeia e o seu desenvolvimento econômico e democrático que será um espelho para os russos que irão ameaçar o regime autocrático do capitalismo mafioso russo. Por outro lado, a Rússia considera que para se reerguer no plano internacional à altura da antiga União Soviética necessita que a Ucrânia seja como país anexado ou como regime fantoche de Moscou.
Existe uma diferença abissal entre o sistema político e cultural entre a Rússia que só conheceu o despotismo em sua história e a Ucrânia em busca da democracia. Na Ucrânia nós estamos no 6º presidente eleito democraticamente, com alternância de poder, desde o ano de 1991; o mesmo não ocorre na Rússia. A Ucrânia aceita observadores para verificação de seu processo eleitoral que se dá com liberdade partidária e de propaganda; já na Rússia os processos eleitorais são marcados por perseguições, envenenamentos e mortes. A liberdade de organização e manifestação é plena na Ucrânia. Uma manifestação LGBT+ na Ucrânia é protegida pela polícia já na Rússia não obtém autorização para sua realização; uma lista de 44 organizações internacionais de defesa de direitos humanos, ambientais e sociais operam em centenas de países, mas são proibidas na Rússia. Os ucranianos possuem organizações religiosas e culturais em 66 países, totalizando uma população de 20 milhões na Diáspora, e em todos os países possuem liberdade de organização e se agrupam no Congresso Mundial dos Ucranianos. Pois a organização internacional dos ucranianos foi declarada atentatória a Segurança Nacional da Rússia e recentemente foi mudado o código penal russo para tipificar como crime um cidadão russo participar de uma dessas organizações internacionais consideradas atentatórias a segurança nacional russa. Os membros do Congresso Mundial dos Ucranianos da Rússia foram obrigados a se desfiliar e sair da direção sob pena de longos anos em prisão.
A Ucrânia é o maior país da Europa (totalmente no Continente Europeu) em território e firmou sua vocação para ser um país de integração europeia. Ela enfrentou no século XX dos horrores da primeira grande guerra, da guerra civil, do Holodomor e da segunda grande guerra. Seus soldados libertaram Auschwitz. E com certeza um dos batalhões que estará na frente de luta à invasão russa que se anuncia leva o nome do piloto Kozhedub, aquele que mais abateu aviões nazistas na segunda grande guerra.
Há muitas incertezas que como se dará a evolução do conflito. Há muitas dúvidas no ar, mas o que é certo é que a Rússia perdeu os ucranianos para sempre O mundo deverá construir novas formas de convívio e relações internacionais para evitar tragédias da guerra que poderão ser de maiores consequências que as duas grandes guerras do século XX. A Ucrânia, democrática, busca e buscará caminhos para a Paz !

VITORIO SOROTIUK
Presidente da Representação Central Ucraniano Brasileira
rcubras@gmail.com

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