REFLEXÕES SOBRE O TERRORISMO
“A complacência de hoje se paga com as angústias de amanhã. E se ela persiste, com o sangue de depois de amanhã” (SUZANNE LABIN, livro “Em Cima da Hora”).
Por Carlos I. S. Azambuja
– Dificuldade de um Conceito
Inicialmente deve ser dito que todas as opções para o combate ao terrorismo internacional são conflitantes, em graus variados, com objetivos de política exterior, econômicos ou de políticas domésticas.
Por isso, definir o que seja terrorismo de uma forma aceitável a todas as pessoas e Estados não é uma tarefa fácil, considerando que o termo dá margem a interpretações diversas, pois aqueles que para uns são terroristas, para outros são “combatentes da liberdade”.
Até mesmo a Organização das Nações Unidas tem se mostrado incapaz de desenvolver uma definição que distinga o terrorismo de outros crimes. Entretanto, num esforço para estabelecer uma estrutura básica de ação, órgãos estatais e grupos privados envolvidos com análises e acompanhamento de atos terroristas, têm estabelecido definições diversas:
– o FBI, dos EUA, define o terrorismo como “o uso ilegal da força ou violência contra pessoas ou propriedades para coagir um governo, a população ou quaisquer desses segmentos em proveito de objetivos políticos ou sociais”;
– o Departamento de Estado dos EUA assinala que o terrorismo “é a violência politicamente motivada e premeditada, perpetrada contra alvos não combatentes, por grupos nacionais ou agentes clandestinos de Estados, geralmente com a intenção de influenciar uma audiência”;
– o Centro de Referência de Justiça Criminal Nacional dos EUA diz que “um simples acidente ou uma campanha de violência empreendida fora das normas e procedimentos aceitáveis, é terrorismo”;
– finalmente, para a Rand Corporation, o terrorismo é definido “pela natureza do ato e não pela identidade dos autores ou pela natureza de sua causa. As ações são, geralmente, realizadas de forma a alcançar publicidade máxima e os terroristas são, quase sempre, membros de um grupo organizado que, ao contrário de outros criminosos, fazem questão de assumir a identidade de suas ações, considerando que o ato terrorista objetiva produzir efeitos além do dano físico imediato”. Em suma, segundo a visão da Rand Corporation, o terrorismo é uma forma de propaganda armada.
O conceito de terrorismo, qualquer que ele seja, vem, no entanto, perdendo significado através dos tempos por força de sua aplicação indiscriminada a toda variação de insurgência, rebelião armada ou conflito civil. Os termos “terrorista” e “terrorismo”, com a alta carga pejorativa que carregam, vêm tendo aplicação extremamente ampla, por um lado, e seletiva, por outro, o que não deixa de ter reflexos no plano internacional para oferecer-lhes um combate coordenado. Esses termos vêm sendo transformados, assim em figuras de retórica cada vez mais utilizadas quando se trata de censurar ou condenar um inimigo.
Todavia, o certo é que o objetivo básico do terrorismo é estabelecer um clima de insegurança que facilite a eclosão ou o desenvolvimento de um processo revolucionário. Seus objetivos podem ser tão variados como os fatores que o geram. Entre as metas mais comuns almejadas por indivíduos ou grupos que utilizam o terrorismo estão a derrubada de um governo, a criação de um Estado, a obtenção de autonomia política para uma região, a reivindicação de direitos para minorias raciais ou religiosas, a eliminação de um inimigo político ou a mera vingança contra Estados, pessoas ou grupo de pessoas hostis a quaisquer dessas causas.
Estratégias Utilizadas
Dois tipos de estratégias vêm sendo, basicamente, utilizadas pelos terroristas que atacam uma sociedade num esforço para causar uma crise de confiança que a comunidade deposita num regime.
A primeira consiste em direcionar seus ataques aos pilares da sociedade ou do regime que toma como alvo. Isto é, os altos funcionários, os juízes, os empresários e outras personalidades proeminentes, bem como suas famílias. Atacam também prédios públicos, instituições e instalações que desempenham funções importantes e simbolizam a ordem vigente.
A segunda estratégia consiste em lançar ataques indiscriminados e ao acaso contra a população, visando atingir suas atividades quotidianas, em supermercados, lojas, restaurantes, aeroportos, trens, metrôs e estações rodoviárias e ferroviárias. Nesse caso, o objetivo é fomentar um clima generalizado de medo e o sentimento de que ninguém estará seguro em parte alguma, independentemente de sua importância política.
O alvo, para os terroristas, é irrelevante, pois não lhes interessa a identidade do cadáver, mas sim os efeitos obtidos, conforme escreveu Carlos Marighela em seu “Minimanual do Guerrilheiro Urbano”.
Uma das principais características do que pode ser chamado de “terrorismo moderno” é a sua internacionalização, resultado de três fatores, até certo ponto complementares:
– a cooperação existente entre organizações terroristas em diferentes regiões;
– o fato de Estados nacionais soberanos apoiarem grupos terroristas e utilizarem o terror como meio de ação política, especialmente no Oriente Médio;
– a crescente facilidade com que terroristas cruzam fronteiras para agir em outros países.
– Características do Terrorismo
A opção do terrorismo apresenta, para os Estados que dele fazem uso, a vantagem de envolver riscos menores do que os de uma guerra convencional. Além de ser uma forma de ação menos onerosa, apresenta uma característica inquietante, que é a de não reconhecer as normas e regras internacionais para um conflito tradicional. Nesse caso, os alvos normalmente poupados em uma guerra convencional – a população civil, principalmente – são os preferidos dos terroristas.
Os terroristas – deve ser salientado – não têm origem no proletariado e sim na classe média, pois a causa do terrorismo não é a pobreza e sim problemas políticos e religiosos.
Nas várias definições correntes, observa-se certa tendência a enfatizar determinado aspecto dos atentados – seja a motivação, alvos visados ou meios empregados – para caracterizá-los ou não como terroristas. No entanto, parece existir uma concordância generalizada de que a motivação política e religiosa é a característica fundamental dos atos terroristas.
A caracterização de um ato como terrorista depende do ponto de vista de quem analisa uma determinada ação, e a decisão de incluí-la no rol dos incidentes terroristas está, quase sempre, sujeita a uma alta dose de subjetividade. Nesse sentido, aos olhos de um governo ou de um grupo de cidadãos indignados de um determinado país, um terrorista pode ser classificado como um “combatente pela liberdade”. Recorde-se que o presidente Ronald Reagan assim denominava aqueles que lutavam, com armas na mão, contra o regime sandinista imposto à Nicarágua na década de 80.
– Meios Utilizados
Para atingir seus objetivos, os terroristas contam com uma poderosa arma: os meios de comunicação de massa que, na medida em que ajudam a difundir uma atmosfera de medo e insegurança no seio da sociedade, indubitavelmente os beneficiam, pois fornecem a oportunidade para que a sua causa seja apresentada ao grande público e, além disso, conferem certa aura de legitimidade a determinados grupos terroristas, ao entrevistar seus líderes e, especialmente, ao utilizarem seu linguajar característico.
Os recentes progressos tecnológicos, especialmente no campo da eletrônica e da química, aliados à tendência da moderna indústria à miniaturização de equipamentos sofisticados, têm aberto aos grupos terroristas possibilidades de acesso a material de enorme capacidade destrutiva, como o utilizado para derrubar o avião da Panam, em 1988, em Lockerbie/Escócia: um artefato plástico embutido num rádio de pilha Toshiba.
Por outro lado, ações terroristas que envolvem o uso de explosivos detonados à distância, aumentam a cada dia (essa forma de terrorismo foi utilizada com freqüência pela Eta-Basca), bem como a possibilidade do emprego de armas químicas por grupos terroristas ou de fanáticos solidários, como ocorreu no metrô de Tóquio, onde foi empregado o gás sarin, por uma seita religiosa.
Em 1969, um grupo de peritos apresentou a um órgão da ONU um estudo em que constavam os seguintes dados relativos ao custo de uma operação terrorista de grande escala contra a população civil: 2 mil dólares por quilômetro quadrado, se utilizadas armas convencionais; 800 dólares, se usadas armas nucleares; e um dólar, se empregados métodos químicos ou biológicos.
Os Principais Alvos
Os padrões de comportamento dos terroristas, sobretudo no Oriente Médio, onde a forte influência da religião dita valores morais peculiares e onde os ataques suicidas são comuns, fogem, muitas vezes, à compreensão dos observadores ocidentais.
Os fortes esquemas de segurança que têm sido montados para proteger personalidades políticas e instalações consideradas alvos em potencial, estariam fazendo com que os terroristas se voltem, com maior freqüência, para alvos inocentes, como o público em geral. Hotéis, aviões, aeroportos, metrôs, passaram, como já foi dito, a ser os alvos prediletos dos terroristas. Recorde-se os ataques perpetrados pelo grupo fundamentalista Al-Qaeda, em Nova York e Washington, em 11 de setembro de 2001.
Um estudo da década de 80 indicava a existência de cerca de 323 grupos terroristas atuando em, pelo menos, 64 países. Desses, 46 estavam ativos, somente nos EUA. Seitas religiosas, como os xiitas e os sikhs, que nunca haviam utilizado o terrorismo, passaram a fazê-lo. Estima-se que no período 1968-1988 tenham sido realizados 24 mil atentados, 5 mil seqüestros, 800 desvios de aviões comerciais e 500 execuções em todo o mundo, que resultaram em 35 mil mortos e 200 mil feridos.
Embora os grupos terroristas conhecidos envolvam cerca de 75 diferentes nacionalidades, inegavelmente os mais ativos têm sido os palestinos, sendo que, para os grupos religiosos islâmicos, tanto o capitalismo quanto o socialismo são um mal. Eles dizem agir em nome de Deus, com quem alegam ter ligação direta.
As organizações e grupos terroristas começaram agindo sem vínculos entre si e sem inspiração e ajuda externa. Hoje, todavia, são coordenados, prestam serviços uns aos outros, emprestam-se homens e armas, compartilham os campos de treinamento e têm por trás de si Estados que os financiam, que lhes dão guarida e os armam, que lhes fornecem documentação e comandam suas operações.
– O Terrorismo de Estado
A hipótese de que alguns Estados utilizam seus Serviços de Inteligência e outras agências governamentais para se engajarem em atividades terroristas pode ser considerada verdadeira, pois hoje a percepção é a de que o terrorismo vem sendo utilizado, cada vez mais, por governos, como um instrumento de política externa.
Isso faz com que o fenômeno extrapole a esfera meramente policial e passe a ser encarado como um problema político de alcance imprevisível. Os Estados terroristas mais comumente citados pela mídia por seu apoio ao terrorismo internacional têm sido a Líbia, Irã, Iraque, Iêmen, Síria e, mais recentemente, o Afeganistão. A ex-União Soviética e seus antigos aliados da Europa Oriental, ainda no tempo da Guerra Fria, por sua vez, foram acusados de prover apoio aos grupos terroristas através desses Estados.
– Uma Estratégia de Combate ao Terrorismo
O terrorismo deve ser encarado e combatido de uma forma total e coordenada, sob pena de fugir ao controle. Uma defesa puramente passiva – o contraterrorismo – não tem constituído obstáculo suficiente para o seu desenvolvimento. O antiterrorismo, ao contrário, sugere uma estratégia ofensiva, com o emprego de toda uma gama de opções para prevenir e impedir que atos terroristas ocorram, levando a guerra aos terroristas. Essa, porém, não é uma tarefa simples, uma vez que, nesse caso, as represálias são levadas a efeito antes que haja qualquer ataque. Antes, portanto, que sejam causados quaisquer tipos de danos. É, portanto, uma resposta sem qualquer ação criminosa anterior. Nesse caso, existe o perigo de que os antiterroristas apareçam, perante a opinião pública, como terroristas, por darem uma resposta a algo que não aconteceu.
Hoje, por exemplo, o terrorismo mata estrangeiros na Argélia pelo simples motivo de serem estrangeiros, ou praticam atentados contra seus próprios governantes, como foi o caso do assassinato de Ytzhak Rabin, em Israel.
É impossível proteger por todo o tempo todos os alvos em potencial, ficando assim, sempre, os terroristas, com a vantagem da iniciativa. Para que essa proteção fosse efetiva seria necessário implantar um Estado-policial, exatamente o tipo de situação que os extremistas gostariam que fosse criada para terem um inimigo fascista para combater.
Segundo Jean-François Ravel, no livro “Como Terminam as Democracias”, “uma democracia não pode utilizar um cidadão em cada cinco para ser policial; não pode fechar suas fronteiras e restringir as viagens dentro do país; deportar parte da população de uma cidade, se necessário; nem manter uma vigilância constante sobre cada hotel, cada prédio, cada apartamento em cada andar; e nem gastar horas revistando carros e bagagens de viajantes”.
Uma das únicas defesas contra o terrorismo é a possibilidade de realizar uma infiltração a fim de interceptar e conhecer antecipadamente quando e onde um alvo deverá ser atacado. Esse, porém, é um trabalho para um excepcional Serviço de Inteligência, aliado a um componente essencial: vontade política – o que está ficando cada vez mais raro – e decisões que não temam riscos.
Os esforços no sentido de elaborar uma convenção global sobre medidas de combate ao terrorismo – que envolvem considerações de ordem política, técnica, logística, legal, conceitual, e até mesmo moral – têm esbarrado no problema de definir o que seja terrorismo, uma vez que os chamados Estados terroristas e nações que o apóiam e se valem dele têm assento e voz na ONU. Não há consenso sobre a definição de terrorismo, pois não está claro quem é o inimigo e contra quem o Acordo seria utilizado. Os países árabes, liderados pela Síria e Egito, insistem que haja uma diferenciação entre atos terroristas e ações de movimentos de libertação nacional. É evidente que essa diferenciação teria como objetivo evitar que as ações dos árabes contra a ocupação israelense de territórios palestinos sejam classificadas como atos de terrorismo.
A União Européia, todavia, após os atentados ocorridos em Washington e Nova York em 11 de setembro de 2001, deu um passo histórico na luta contra o terrorismo, em 6 de dezembro de 2001, ao aprovar uma definição desse delito, comum aos 15 Estados membros.
Os ministros do Interior e da Justiça europeus, reunidos em Bruxelas pactuaram uma definição coletiva para terrorismo e grupo terrorista que permitirá condenar não apenas as pessoas que lideram grupos terroristas, como também as que forneçam informações ou meios materiais para a prática de atentados, instiguem esse tipo de atividade ou exerçam qualquer tipo de cumplicidade.
O terrorismo foi assim definido pela União Européia:
“Os atos intencionais que, por sua natureza ou contexto, possam lesionar um país ou uma organização internacional, quando seu autor os cometa com a finalidade de intimidar gravemente uma população; obrigar indevidamente os poderes públicos ou uma organização internacional a realizar um ato ou abster-se de fazê-lo; ou desestabilizar gravemente ou destruir as estruturas políticas fundamentais, constitucionais, econômicas ou sociais de um país ou de uma organização internacional”.
Considerando não existir, ainda, uma determinação legal internacional sobre o tema, essa definição é considerada importante.
A definição da União Européia para Grupo Terrorista é a seguinte:
“Toda organização estruturada com mais de duas pessoas, estabelecida durante certo período e que atue de forma concertada com o fim de cometer delitos terroristas”.
Além disso, as definições aprovadas pela UE também implicam na aplicação das mesmas penas, em todos os países, para castigar os grupos terroristas e os delitos de terrorismo. Nesse sentido, a pena máxima para a direção de qualquer grupo terrorista não poderá ser inferior a 15 anos de prisão, enquanto que para o restante das atividades não poderá ser menor que 8 anos de prisão. Em vão, a Itália tentou impedir que fosse aprovado um projeto relativo a ordens de captura com vigência em todos os países. Todavia, em 12 de dezembro de 2001, intensamente pressionada pelos demais países, decidiu aderir ao Tratado.
No Brasil, enquanto uma definição não chega, combater o terrorismo com a utilização de todos os meios parece ser uma questão de sobrevivência. A natureza do ambiente sob ameaça configurará os limites do que seja possível e moralmente aceitável fazer. Uma resposta considerada inaceitável, hoje, poderá ser aceitável amanhã, dependendo da ousadia dos terroristas. Aquilo que Israel, por exemplo, considera aceitável no combate ao terrorismo, poderá não sê-lo para outras democracias.
Por outro lado, a quantidade e a qualidade da Inteligência será sempre julgada aquém do ideal, surgindo daí o perigo de que a constante busca de melhores dados, sempre mais atuais e mais precisos, possa acarretar a perda de uma oportunidade ímpar de agir, o que, em si, poderá causar mais danos do que uma ação baseada em Inteligência incompleta.
A opinião do autor é a de que o terrorismo e os grupos terroristas devem ser combatidos com todos os meios, até mesmo os legais.